terça-feira, 29 de julho de 2008

A moldura da carne

Todos os olhos estão ali. Todo museu resume-se a isso. Após o baque, vem o entendimento. É sempre assim...

“Por dentre a ribanceira além-mar, à luz de sete sóis de raio livre, ela banha-se na ponta d’água gotejante, num marulho efusivo sobre a nubla cor do celeste. Os cachos dela seguem o fluxo do riacho, donde nasce - da modéstia mãe - o brilhante gênio daquele veraneio. A fonte esparsa, cama de pedras pontiagudas, dá a luz ao jovem fio de vida, que desliza com calma sobre a terra.
Tal qual a perspectiva difusa do quadro, ela deixa escorrer pelo seio o frio das gotinhas miúdas e o floreio pálido de sua pele completa a moldura. De terras longínquas, onde o todo glacial encerra no tempo os vestígios de vida, ela surge, ainda não intimidade por arrepios sinistros que lhe envolvem todo corpo, ainda não teme o frio. Tanto que deixa o cabelo cor de fogo apagar-se sobre o leito manso da foz. Docemente ela emerge completamente e nada serena, como um jovial espírito que descobriu a liberdade. Está frio, muito frio. Embora o verão – que nada difere muito do inverno -, as águas têm aspecto negro. Ela assiste vidas irem por dentre as ondas sutis que lhes ceifam a vida. No semblante, ela é mãe e pai; é filho também. Filho que o tempo tomou, que foi como peixe para o fundo do mar. Mas ela não é a única na pintura, atrás, bem atrás, há um velho senhor de peito nu que aguarda virem as primaveras. Tem na ponta dos dedos uma margarida de três cores. Esse não é mais vivo. Tanto praguejou contra o frio, que este veio tomar seu corpo. É também gelo agora. No alto da pintura, as gaivotas (ou urubus?) parecem aguardar cada vez mais as mortes. Porque naquele cenário brilhante as pessoas põem-se a admirar tudo, esquecem-se do fim. E ele chega, porque é tudo a obra da carne viva.”

quinta-feira, 17 de julho de 2008

Abismo: tanto no início quanto no fim da vida.

É infinito. É puramente infinito, como se não fosse sóbria essa mente maldita que vos fala. Não, não é sóbria. É triste, morta. Essa pena de abutre escreve sem meu esforço, sem minha real vontade. Está possessa. Sabes bem que não tenho apreço pelo exagero.
Acredite, quando sóbrio eu não lhe dou a dádiva de meus pensamente. Não penso em você.
Vêm vindo as sextas e essa alma cretina me toma.
É carcaça, tanto nojenta quanto imunda. Repleta, mas vazia. Repleta de trezentas frustrações, no que me cabe estas réplicas imundas. Tento lhe ser igual, como dois amantes díspares que pouco se falam. E nada tenho em mãos. Esse rabisco mal feito – santo fruto de seus dedos - seria o maior de meus tesouros, se não fosse meu óbito inacabado.
Áspero Amor, é maldita lacuna. É maldição.
Agora, se poupe dos choramingues, quando, amanhã, me ver boiando morto no rio. Nas caldas do inferno que me flamba. Não vá apagar meu doce incêndio com essas lágrimas tratadas. Deixa-me, por fim, cozinhar no fogo eterno. Fogo lento...
Quando quiseres rever-me, escaparei bravamente desse mar de saudade. Na verdade, transformarei minha saudade em minha maior arma. Terei ódio e rancor, mais, muito mais.
Tenho-lhe também ordens.
Deixa-me nova foto, essa que tenho é velha. Hora meu velho origami, já marcado por infinitas dobras. Está gasta pelas centenas de olhares. Está molhada de não sei o quê... de mentira, talvez. É, de mentira. Você acha que me conhece, apesar de nunca ter me visto. E se engana – como se engana.

No fim, esse teu maravilhoso se esvai no ar. Torna-se danoso às narinas públicas, nada que difere do princípio. Teu ar é santo, é puro, mas me basta. Enfim, basta. E não quero ter como última memória essa tua voz que me privou boas fases da vida, que apertou meus sentimentos sem nem dar-se o luxo de conhecê-los. E esse abismo agora é só meu. O rio logo abaixo – meu leito eterno – é escuro. E será de bom grado, meu chão arado. Minha cama negra de todo dia.
No fim – neste fim – vou pertencer ao grande oceano, lançar-me-ei aos seus semelhantes, feras famintas. Darei a elas minha carne, minha vida. E só.
Agora vou.
Basta...
...Eu te amo.