segunda-feira, 15 de dezembro de 2008

À Judith Deboi

Minha cara,

Não é novembro, nem noite. Cuido que a chuva, ritmada pelo céu, faça de mim mais noite e muito mais novembro.
Lembrei-me que apesar da lástima em que me encontram as mãos, nao há doença maior que me pudesse impedir de lhe escrever. O que já é por si só, uma doença. Se a sombra é boa, o fardo é grande. Na sombra de conhecer uma alma tão deliciosamente linda – leitora de minhas letras -, acabei por trazer o demônio nas mesmas vestes. E este demônio é santo. Mas que fique claro, que me refiro por estas frases, exclusivamente, à minha boa Judith de outrora.

Como nunca, escrevo-lhe de peito calmo; sem dores no coração. Você nunca precisou de amor, quanto mais fosse piegas. A pena em minha mão já não desenha as mesmas letras redondas e perfeitas. Sabe, o tempo é imundo, mas não a hora. A hora é cicatriz, é estática. O tempo passa, e arrasta, e mutila. És você o meu tempo, Judith. Você tomou-me os dias e os meses, deixou um pobre miserável desiludido e doente. E se amanhã, eu não acordar, esta notícia lhe dará ainda mais motivo para viver. Enquanto eu vou me esvaindo a cada letra e a cada gole de café, você vive ainda muito alegre. Você nasceu antes do mundo. E quando o planeta era ainda criança, dir-se-ia que você lhe trocava as fraldas.

Creio, não ter revelado o tamanho fogo que me motivou a lhe escrever. Pois bem, ficará sem mais essa revelação. As palavras aqui escritas já não correspondem à vontade de meus dedos em escrevê-las. Não sei como ou por que aconteceu. Aconteceu. E então eu já não tenho mais o que dizer. Eu nem me lembro se você existe mesmo, ou se não é mais que um dos devaneios da gente frívola.
Bem, se não encontrar muito que ler nesta carta, há de me desculpar; não há, de fato, muita coisa para dizer. Cansei mesmo de retirar palavras de dentro de mim. Digo, então, por fim, que os pingos que borram esta carta não são lágrimas. Não sei bem, mas parece ser café. Perdoe os descuidos de um velho, já ruim do coração.