sábado, 29 de março de 2008

Luana

--- Quando a prontidão da noite reluz, a lua tem seu típico complexo narcisista de calar qualquer dor. Como fez às mãos de Ludwig, meu amigo.
--- Ora! - que a lua fosse obra de arte viva, não é de se duvidar, mas tenho minha teoria a respeito da prata que incide a dama gorducha. Obra de Michelangelo, que faz renascer o brilho toda noite lá no céu... Bem, admito que seja contraditória a tonelada de tinta gasta, mas de notória importância! Imagine-se sem a lua, sem o brilho que ilumina o inconveniente “apagão”. A lua é o olho da vida, que inibe a cegueira hipócrita, que nos faz ver a noite com coragem, e que acende a esperança do sol matinal.
--- Eu amo a noite, sempre amei. Amo sua surdez, amo a pigmentação estrelar que concede o medo. Amo o medo. È bom sentir medo de escuro, viver como os morcegos de mentes calculistas, que aguardam a presa em seu leito.
--- Amo o jogo, e as luzes da cidade. A flor exalando a fragrância pela varanda, o vento que solta a sua voz: obras únicas. É por si só, mero conúbio entre vida e morte. Onde a sessão é fundamental, e a terapia faz milagres. A plenitude pertence a quem beber de sua graça.
--- E por fim, ela morre como ilusão, ao passo que o sol mostra-se, e impõem tamanha opressão sobre seus frágeis braços corrompidos da mentira e da maldade diurna. Um adeus longo e demorado como do homem que vai à guerra, e o lenço úmido dança ao vento. Ela vai e não volta. O quão esquivo foram os momentos a luz da madrugada, onde as gotas tilintavam no pau-a-pique.
--- Meu amor já não é mais meu, é do mundo. Que ela seja livre e aventure-se às mil galáxias, e assim ela nos foge a mente, e deixa a saudade castigando o pedaço restante do coração. A prece faz jus à melancolia, e o bordado negro que a pouco se estendia no céu, vai-se junto à lua para bem longe, aonde o tempo e o espaço são pagãos da verdade.
--- Lua, Luana, como queira, amei-te desde o sempre, e ao túmulo levo sua memória. Num clarão ofuscante a vida lhe foi tomada, e o ciclo da lagarta foi bruscamente interrompido quando a morte a desejou. O espírito foi mais forte, tomou-a de meus braços e nada pude fazer para evitar. Desculpe. Num mundo onde o fim é iminente a vida não tem vez.
--- Recolho as tralhas. Bom dia, boa tarde e boa noite. A borboleta não é, nunca foi, e nunca vai ser.

quarta-feira, 26 de março de 2008

Planos para uma vida de cadáver

Mãe,

Enfim, um finado.
Peço-lhe um vidro de colônia e dois charutos, afinal, quem há de querer um bendito corpo que cheira horrores? Tenho meu orgulho, ora, e os charutos são indispensáveis, gosto de sentir a fumaça.
Estou morto a dois dias, que mais parecem trezentos, e aqui no céu, estamos em pleno verão, mas não sei o porquê dele, uma vez, que nós mortos, não somos capazes de sentir calor, maravilha, não acha?
Recebi sua carta, não precisa se preocupar, estou me alimentando absurdamente bem, uma dieta a base de tomate, nunca vi um lugar onde o tomate é tão abundante! Têm tomate de todo jeito, tomate-roxo, tomate-peludo, tomate-frito e o melhor deles, o tomate-pro-adstringente. Bem, deixando os tomates de lado, que fim levou a cobra que me engoliu? Uma espécie rara! Haha, sou mesmo um cara de sorte. Pobre ofídio, alimentou-se de minhas vísceras banhadas a muito óleo de batata frita, ouvi dizer que conseguiram remover minha cabeça do corpo da cobra, que irônico, eu que sempre fui o “cabeça” da família.
Mãe, para chegar até aqui, agente tem que passar por uma espécie de balança, algo como uma bússola, que nos mostra que caminho trilhar: céu ou inferno. Quase fui parar no andar de baixo, acho que aquelas vezes em que eu passei pimenta na sua escova de dente influenciaram muito nisso, mas por sorte, num movimento rápido pulei para a barca do céu, uma gentezinha arrogante, melhor não me misturar.
Aqui é por demais monótono, agente fica o dia inteiro ouvindo palestras e aprendendo como se tornar anjos, um completo tédio!
No mais, está tudo na mais perfeita harmonia. Espero ansioso pela sua morte, não agüento de saudades!

Mande-me algumas fotos.
Ah, mais uma coisa, estão dizendo que o médium está em greve, então seria conveniente achar outro modo de nos falarmos.


Tentativas inúteis de beijos,
Do seu querido defuntinho.

domingo, 9 de março de 2008

Homo matadores

Estou aqui,
venha, chegue mais
não temas toda vida,
a noite vem e vai, nada mais
Escondeu-se, Inocência
deixe-me conhece-la
nasci sem vil prazer
de nos braços,
batiza-la.
Unte as mãos com meu sangue
derrama o resto sobre a tulipa
oh! que flor formosa
por vezes tão cheirosa!
Como cravos de defunto,
toma-me de seu hostil assunto.
Encharca os campos da Inglaterra
Conceda-me a benção duma terra,
p'ra usar até cansar,
de tal modo a inutilizar
matá-las-ei a meu modo
um punhal banhado a mel
atravessa a espessa camada nua
tanto desgosto,
via de mão única à Lua,
Jorrando as lágrimas do céu,
do sábio, e do cão, e do homem.
Entre as rochas, faz-me lodo,
entre o lado caio em roça,
na terra de papai,
onde há mil vontades,
nada mais.
Com um tiro,
sou curto e breve
pelas faces corriqueiras,
digo só,
e o tudo,
vai ao nada
e o tudo,
vira pó.