sexta-feira, 6 de junho de 2008

Sob o Céu turquesa, descansam olhos.

Qualquer que fosse a sombra projetada perto da menina, qualquer que fosse o rastro de penumbra sobre os gomos de sua saia, nada fazia valer importância. Qualquer coisa lhe era dispensável, qualquer sabor de morango, qualquer coisa alguma, tudo estava distante e proporcionalmente afastado ao seu estado de espírito. Quando os raios solares marcavam-na a pele, quando a chuva lhe feria os pulsos e, sobretudo, quando a relva matutina a tornava obcecada em descortinar formas às nuvens. Na verdade, era esse o seu plano de vida, viver com a vista nas nuvens, esperando ver novos contornos celestes. Sua máxima era sentar no toco tomado de fungos e descansar a vista nelas. Ela amava as nuvens. Passava horas a fio a desvendar a magia que elas encerram. Nada além da natureza, adornando a vida daquela menina, nada mais puro que sua íris espelhada, nada mais cativante... Maluca? Talvez. Ela não tinha muitos amigos, na verdade, não os possuía mesmo, e esse não era o maior dos problemas. As pessoas descrentes e instruídas, os dotados dos “bons modos” achavam-na a rainha dos bobos. Mas como vos disse, pouco importava a opinião pública, e quando a perguntavam o que de tão belo havia no céu, ela dizia estar “contormejando” as nuvens, contornava e almejava... É claro que o eufemismo não lhe poupava à exposição e, de certa forma, dava-lhe certos ápices de prazer quando distinguia um coelho, ou um cordeiro nas nuvens, aquilo aguava seus olhos de tal maneira inexplicável.
Traçou metas impossíveis e fez promessas aos deuses mais díspares. Sonhou puritanamente com sua liberdade e tentou por fim ao limite. E foste tão cruel consigo mesma que por muitas vezes teve a esperança abalada, tropeçou e cada dia a distanciava mais das nuvens. Começou a realizar um futuro frustrado, cheio de lacunas a se preencher por algo que nunca foi, e aos poucos derramava os sonhos no papel e os arquivava em gavetas há muito esquecidas. Fechou os olhos, então. Deitou a cabeça sobre a grama fresca e gélida e pôs-se a dormir.
A chaga eterna que marcou seu peito doía ardentemente sobre o botão de prata. Parte de sua alma estava nas nuvens, e jamais alcançaria seu id perfeito e selvagem. Aquilo de certa forma provocou um novo parto na menina. Um parto e um aparto de seus sonhos pueris, um aceno de mão eterno. Sem maiores brasas de esperança, e desiludida com seu platonismo celeste, ela guardou tudo numa caixinha chamada memória.
E cresceu. Virou mulher, estudou. Ficou famosa, invejada, rica. Fugaz, astuta, maliciosa. Pautava sua vida sobre os moldes da razão, da moral e dos bons costumes.
Adentrou os mares da matemática, da complexidade e do raciocínio. Uma mulher ocupada e vazia. Nunca mais passava perto do quintal, o que na verdade não mais podia ser chamado de quintal, pois o mato já roçava nos joelhos.
Ah, mas o que aqui seria uma narrativa absurdamente longa, não será. Pois não pense cá que as gavetas e as caixas rígidas do passado não se abrem. É, um dia elas abrem, pode esperar. E... abriu, portanto.
Ela sentiu uma estranha necessidade, algo que não sentia faz tempo. E estremeceu. A idade vinha buscá-la, trazendo um turbilhão de antiguíssimas sensações. Teve vontade de despir os sapatos e caminhar no jardim. Mas o faria rapidamente, na verdade, seria até rápido demais. Apenas um frescor para a mente.
Uma sensação estranha, que nem mesmo minha onisciência explica. Ela flutuou sobre os cipós e a vegetação baldia, voltou três décadas no tempo e as rugas sumiram-lhe à face. E foi aí. Em um giro, em seu momento mais efêmero e vertical que ela notou as gotas brancas e gordas que nadavam num azul tão maior. Coisa tão linda, tão linda, que piscou forçando a pálpebra para garantir que era real. Era real, era mesmo. E ela então lembrou de tudo. Das estações castigando-a sobre as urzes do quintal, do sol clareando o céu. Das nuvens. Nuvens, as amadas gotas de algodão. E por um instante sentiu-se completa, se sentiu viva. Sentiu a carne e a mente no exercício de viver. Sentiu-se plena, perfeita.
Os céus, então, alcançaram-na. Formaram um conúbio santo de total entrega... Desmaterializam um ao outro. A alma dela está livre agora. E Deus responde; os envolve num sincero abraço. Ela ouviu o canto dos pássaros. Ouviu... ah, um coelho!

3 comentários:

Anônimo disse...

amorzinhooooooooooooooooo
cada dia se superando hein adorei seu texto ficou muito bom.
bjos.

darkpoetise disse...

hey
sumido e ai como vai?

bjx

Laryssa Frezze e Silva disse...

Rapaz, desculpa a minha demora por aqui, mas como sempre as minhas provas são acumuladas em duas semanas infernais!!!
Seu texto tá tão etéreo e fantástico, que parece "Alice no País das Maravilhas", só que com mais coração...
E você têm muito coração... O texto tá lindo!
Beijos e continue sempre assim... ^^